07. Todos os Caminhos (2)

“É tanta coisa pra se desvendar”




No texto anterior, ao tratar da música “Todos os Caminhos”, eu havia encerrado dizendo que valeria a pena meditar sobre as lições a que o autor, isto é, o eu lírico da canção tinha chego na sua reflexão sobre o tempo como principal recurso e obstáculo para a realização dos sonhos e desejos na vida. Após chegar a conclusão de que “o certo é que não sei o que virá”, a canção diz:

“Só posso te pedir que nunca se leve tão a sério
Nunca se deixe levar
Que a vida é parte de um mistério
É tanta coisa pra se desvendar”.

No texto anterior, eu também havia dito que as reflexões do autor ecoavam questões universais e milenares sobre as incertezas do destino pessoal do homem diante do futuro. Nessa segunda parte da música, pode-se dizer que as questões universais permancem pois a primeira lição a que o autor chega, “nunca se leve tão a sério”, pode ser vista como uma espécie de nova tradução do seguindo provérbio elaborado por Salomão, milênios atrás:

“Não seja demasiadamente justo, nem
demasiadamente sábio. (...)”
[Eclesiastes 7:16]

Mas, se o autor da canção nos diz, ou melhor, recomenda, implicitamente, ao seu interlocutor que coloque um pouco de humor e deboche na sua vida, ele também sugere para que “nunca se deixe se levar” o que, a exemplo da lição anterior, também ecoa outro ensinamento do rei Salomão, quando este disse que muitas das coisas e desejos que perseguimos na vida são vaidade – são como “correr atrás do vento”.

No entanto, foi um discípulo de Cristo, séculos depois de Salomão, que veio a retomar este mesmo problema - sobre não se deixar levar pelo vento.

“até que todos cheguemos à unidade da fé e
do pleno conhecimento do Filho de Deus,
ao estado do homem feito (...)
para que não mais sejamos meninos, inconstantes,
levados ao redor por todo o vento de doutrina (...)”
[Carta aos Efésios 4:13-14]

Portanto, para se evitar que fiquemos correndo atrás do vento, o discípulo de Cristo recomenda que busquemos aumentar o conhecimento daquilo que acreditamos – o que converge com o pensamento do autor da canção “Todos os Caminhos” quando, no refrão já citado aqui, diz que:

“A vida é parte de um mistério
É tanta coisa pra se desvendar.”

A vida, assim, ganha um sentido muito particular e, ao mesmo tempo, curioso: o de se desvendar este grande mistério de que a própria vida faz parte.

Para encerrar, seria ainda interessante olhar uma última vez para esta segunda parte da música aqui em questão pois, na segunda e última vez que ela é cantada, essa última frase – que fala da vida enquanto mistério a ser desvendado – é substituída pela seguinte sentença:

“ Que a vida, a nossa vida, passa
E não há tempo pra desperdiçar.”

O livro de Salmos que, a propósito, é um registro de canções elaboradas com a finalidade de exaltar a Deus, ao mesmo tempo em que revela suas qualidades e a maneira como seus autores o buscaram em diferentes circunstâncias da vida, possui uma passagem cujo sentido é ecoado nesta última estrofe da música de Lenine:

“Ensina-nos a contar os nossos dias para
que alcancemos corações sábios”.
[Salmos 90:12]

Enfim, como diz a canção de Lenine: “nossa vida passa” e, à medida que isso ocorre, diminui o tempo que nos é dado viver. E, já “que não há tempo pra desperdiçar” com coisas vãs que nos levem a “correr atrás do vento” seria realmente sábio que aprendessemos “a contar os nossos dias” e, para isto, o salmista pedia ajuda de Deus.

Assim, pode-se dizer que a humildade diante do criador também faz parte da vida e da tarefa de desvendar seus mistérios.