01. Do It

“Imperativos modernos”







Como diria o próprio Lenine, a canção "Do It", a primeira do seu disco "InCité", é feita totalmente de imperativos:

“Tá cansada, senta
Se acredita, tenta
Se tá frio, esquenta
Se tá fora, entra
Se pediu, agüenta “

É uma canção divertida e agitada que, ao longo de 2006, tocou muito na TV por ocasião de uma das novelas globais. É uma canção alegre e animada. Porém, mais que isso, ela é o que se pode chamar como manifestação artística de “espírito da época”.

Sim, porque parece que com o passar dos anos sempre temos mais e mais coisas pra fazer. E não me refiro aquelas coisas "normais" e corriqueiras como trabalhar e cuidar da casa. Mas, sim aquelas que surgem como imperativos da vida moderna, ou seja, como necessidades para se manter apto para o "mercado" seja ele qual for.

Assim, se você tem um bom emprego sabe o quanto ele lhe custou em matéria de educação formal, universitária e cursos e mais cursos de língua e especialização. E sabe também que, para "manter sua posição", terá sempre que fazer outros cursos para "atualizar-se".

E como essas atividades tendem a competir com aquelas atividades que lhe dá prazer e sabedoria (como uma modesta audição de um disco ou um momento a sós com a família), ocorre que sempre estamos fazendo isso ("Do it") ou aquilo sem que isso nos satisfaça.

Uma vez um grupo de amigos estava refletindo sobre a passagem em que Cristo visita as Marta e Maria.

Marta, possivelmente pega de surpresa pela inesperada e ilustre visita, corre de um lado para outro procurando, provavelmente, providenciar aqueles cuidados que representariam uma boa expressão da sua hospitalidade. Já Maria não faz nada além de ficar contemplando as palavras que Jesus está lhe dizendo.

A irmã, Marta, fica então indignada com a irmã que não lhe ajuda a servir e coloca a questão diante de Cristo. Que vos parece? Não seria justo que Maria ajudasse sua irmã com o trabalho de servir o visitante?... Pois, curiosamente, Cristo responde à indignação de Marta da seguinte maneira:

“Marta, Marta, estás ansiosa e pertubada com muitas coisas;
entretanto poucas são necessárias, ou mesmo uma só; e
Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.”
[ Lucas 10: 41-42 ]

Após a exposição do texto bíblico, o assunto foi colocado em discusão, e a opinião que me pareceu mais honesta foi a de uma mulher que reconheceu que ela só conseguia se identificar com Marta: a irmã superativa e ansiosa.

Mais do que um aspecto da sua personalidade, o que aquela mulher expressava era a maneira como todos nós vivemos hoje em dia: ansiosos e pertudados, preocupados com muitas coisas e sem tempo para nos ocupar com a “boa parte”.

Ao cantar “Do It”, Lenine traz à tona este tema – que as vezes, por estarmos correndo atrás de tantas coisas nem paramos pra pensar. No entanto, seria esta música um elogio desta filosofia pragmática e desses imperativos modernos?... Penso que não e, para isso, baseio-me não somente na letra da canção, que não terei espaço para aqui me deter, como, também, na música que a segue no disco de que faz parte.

Neste disco, “In Cité”, a música “Do It” é seguida por “Vivo”. E, esta última canção, possui uma letra e um ritmo totalmente oposto ao de “Do It” (lento e com acordes discretos) parecendo, assim, sugerir que, em meio ao agito da vida moderna, é preciso também nos aquietarmos e refletirmos sobre a nossa vida e sobre a nossa condição humana no mundo e sociedade em que vivemos.