06. Todos os caminhos (1)

"Meus sonhos e desejos"





“Todos os Caminhos”, a canção que se segue à faixa “Ninguém faz idéia”, no CD “Incité” de Lenine, começa da seguinte maneira:

“Eu já me perguntei se o tempo poderá
realizar meus sonhos e desejos”.


Como se vê, logo de início nos é apresentado uma curiosa construção poética na qual o poder de realizar os sonhos e desejos é entregue ao tempo.

Trata-se de um interessante rearranjo de uma reflexão adulta com a qual inevitavelmente iremos nos deparar em algum momento da vida quando, com base no que já conseguimos e no preço que isso nos custou, olharemos para o horizonte que temos à frente e nos perguntaremos: “será que ainda conseguirei realizar tudo que sonhei ou seria mais prudente reconhecer os meus limites e contentar-me com o que já conquistei?” Nos versos seguintes, o autor expressa as raízes do seu questionamento:

“Será que eu já nem sei por
onde procurar ou todos
os caminhos dão no mesmo?
O certo é que eu não sei o que virá.”


Note-se, portanto, que não se trata de uma reflexão puramente abstrata, pois os versos dão a entender que o eu lírico da canção já procurou os caminhos mas que esses conduziram a resultados que fizeram-no questionar sua capacidade de escolha conduzindo-o à seguinte conclusão: “o certo é que eu não sei o que virá”.

Trata-se, portanto, de uma frase que parece ecoar o tema da canção anterior,, na qual o compositor dizia que “ninguém faz idéia de quem vem lá”.

Além disso, tratam-se de versos que ecoam também apreensões humanas milenares sobre as incertezas sobre o futuro pessoal. Digo milenares porque a encontramos também em livros bíblicos: nos Evangelhos, nas cartas escritas pelos discípulos, nos textos do rei Salomão, etc.

Sabe-se que uma preocupação demasiada em garantir um futuro tranqüilo pode levar uma pessoa à avareza e a um comportamento materialista centrado somente em si. Sobre este perigo, Cristo nos advertiu no conhecido “Sermão do Monte”. Esta, porém, não parece ser a questão da música de Lenine. A questão, alí, parece estar vinculada com os desejos do coração e com a limitação de recursos – sobretudo o tempo – para realizá-los. Cristo, curiosamente, tratou de um tema análogo quando falou que:

“Pois qual de vós, pretendendo
construir uma torre, não se
assenta primeiro para calcular
a despesa e verificar se tem
os meios para a concluir?
Para não suceder que, tendo
lançado os alicerces e não
a podendo acabar, todos os
que a virem zombem dele,
dizendo: este homem começou
a construir e não pôde acabar.”
[Lucas 14:28-30]



Cristo tomou como exemplo um homem que pretendia construir uma torre – e, na continuação do texto, fala também de um rei que estava indo para uma batalha. Mas, obviamente, a “torre” é uma metáfora de uma outra coisa que pode, por exemplo, ser compreendida com os “sonhos e desejos” da música de Lenine, ou seja, com algo que diz respeito às maiores realizações das nossas vidas.

O autor da música parece estar, portanto, ponderando este mesmo tipo de questão e nos ensinando, talvez, que uma reflexão semelhante pode ser um dos caminhos não somente para se lidar com as incertezas do futuro como, também, para meditar nas lições que nosso passado, isto é, que a nossa história tem a nos ensinar. Aliás, sobre esse assunto, valeria a pena constatar as lições apreendidas pelo autor na continuação desta música.