23. O Marco Marciano (2)



Um Novo Marco








O propósito deste texto é o de dar continuidade à análise da unidade e coerência interna do álbum InCité. Tarefa que havia começado no texto anterior, a partir de uma reflexão da música "O Marco Marciano", mas que havia interrompido para que o texto não ficasse demasiadamente extenso.

Outra razão da interrumpção do texto anterior liga-se também à presença de uma sutil alteração no tratamento do tema central do álbum InCité, pois, se da música "Do It" até "Virou Areia" Lenine aprsentou composições que falavam da precariedade e da insuficiência humano diante dos imperativos e do ritmo frenético do mundo atual, a segunda parte do álbum se ocupará em demonstrar que, apesar dessas incertezas, há realizações possíveis e significativas.

Esse último aspecto é o que, segundo a minha perspectiva de análise, dá unidade para a segunda parte do álbum. No entanto, há uma pequena exceção: "Relampiano", a canção que vem depois do ponto final (ou ponto e vírgula) colocado pela canção "Virou Areia" parece fazer ainda parte daquela primeira linha de composições.

Assim, longe de querer apontar imperfeições na obra do artista, parece-me que, para manter a linha de desenvolvimento do tema do álbum, "Relampiano" deveria vir antes de "Virou Areia" porque sua letra anbda trata do tema da precariedade da condição humanoa no mundo atual, sobretudo das crianças de famílias muito pobres.

A menos, porém, que a mensagem oculta de "Relampiano" seja outra: a de revelar, por exemplo, as conquistas que podemos alcançar mesmo em meio à essa precariedade de cores fortes.

De qualquer maneira, na posição que a faixa "Relampiano" foi colocada no disco, ela serve como música de transição: é como se do esforço tenaz daquela criança, que vende drops no sinal para ajudar a família, representasse o prelúdio das realizações possíveis que seria, assim, precedida pela realização da perseverança.

"Todas Elas Juntas Num Só Ser" apresenta então a primeira dessas "realizações possíveis" dos nossos sonhos e desejos: o amor. A escolha de Lenine pode parecer paradoxal, pois achar um amor verdadeiro nesta vida, se comparado às outras realizações pessoais, é a que as vezes nos parece mais distante. No entanto, paradoxalmente, é a que está ao alcance de todos independentemente da condição social da pessoa.

E "Anna e o Rei" parece reforçar essa possibidliade ao apresentar, em caráter aparentemtne biográfico, esta conquista que o compositor alcançou e que, mais do que qualquer coisa, lhe dá força para continuar o caminho no quando encontra-se também consigo mesmo nos filhos que fez.

"Caribenha Nação" nos mostra também uma grande realização humana e coletiva: a cultura, possível mesmo para uma comunidade que foi levada como escrava para longe de casa, mas que, mesmo nessa situação mais que precária, conseguiu preservar sua dignidade o que, de certa forma, também é uma realização ao alcance de todos.

Já em "Sentimental", as realizações dão evidências de uma afunilamento no tratamento do tema central do álbum. E se isso ainda não havia acontecido, neste ponto nos damos conta da forma como o tema, que inicialmente começou a ser exposto a partir de uma reflexão bastante envolvendo nossa época e o atual contexto socio-cultural, em "Do It", e que foi passando por contextos amplos ditados por filmes clássicos (como em "Rosebud") ou pela realidade que encontramos nas grandes cidades (como em "Relampiano") ou ainda na MPB (como em "Todas elas Juntas num só ser") de repente foi se afunilando cada vez mais em direação à trajetória do próprio compositor no que se diz respeito à sua formação afetiva ("Anna e eu"), cultural ("Caribenha Nação") e musical ("Sentimental").


Assim, após expor como Lenine talvez se define enquanto "sentimental", ou seja, após apresentar sua necessária redefinição do que até então estava instituído como sendo sentimental, Lenine registra seu marco como o faziam os compositores populares do passado.


Nesta última música é como se Lenine nos dissesse: "aqui, neste álbum, disou eu, Lenine, meu marco, isto é, este pequeno registro do que eu construí na época e condições que me foram dadas."


E se o marco é marciano, isto é, se ele o fez em outro planeta "onde nave flutua e disco voa", a meu ver, isto significa que embora a obra tenha sido feita para este mundo, a inspiração veio de outro lugar: de onde nascem os ideiais e as idéias que transformam a realidade e guiam as nossas conquistas onde deixamos registradas a nossa marca.