16. Todas elas juntas (3)


"A luz do sol da vida"



Nos dois textos que escrevi sobre a música "Todas elas juntas num só ser", eu falei bastante sobre as reflexões a que ela me conduziu, porém, falei pocu sobre a música em si. Assim, darei início a esta nova reflexão citando os primeiros versos da canção:

Não canto mais Babete nem Domingas
Nem Xica nem Tereza, de Ben jor;
Nem Drão nem Flora, do baiano Gil;
Nem Ana nem Luiza, do maior;
Já não homenageio Januária,
\ Joana, Ana, Bárbara, de Chico;
Nem Yoko, a nipônica de Lennon;
Nem a cabocla, de Tinoco e de Tonico;

Nesses tempos de internet, em que a escrita agora conta com o recurso de hiperlinks, creio que um trabalho interessante a se realizar com a letra dessa canção seria reproduzí-la com hiperlinks nas referências musicias que ela faz através das musas da MPB. Seria um trabalho bastante árduo, devido à extensão da letra, mas esria por demais itneressante além de educativo no sentido amplo do termo.

O caráter enciclopédico não é o único que chama a atenção nesta música. Como se pode ver, nos seus primeiros versos que citei, ela é toda rimada: o "maior" rima com o "Ben Jor", o "Tonico" rima com o Chico e assim por diante.

Mas, além dessa questão de forma, há um outro aspecto muito interessante no que se refere ao conteúdo. Uma leiura atenta da letra poderá mostrar que, apesar do compositor se referir a inúmeras musas, pouco é dito sobre suas qualidades exceto por breves referências das próprias canções das quais elas foram retiradas.

No entanto, quando fala sobre sua amada, o compositor não economiza na descrição. Assim, além dos breves elogios feitos à cada refrão, onde diz, por exemplo, que "só você,Hoje eu canto só você", no final da canção vemos o seguinte elogio:

Você pra mim é o sol da minha noite;
É como a rosa, luz de Pixinguinha;
É como a estrela pura aparecida,
A estrela a refulgir, do Poetinha;
Você, ó flor, é como a nuvem calma
No céu da alma de Luiz Vieira;
Você é como a luz do sol da vida
De Steve Wonder, ó minha parceira.

Ainda há mais um longo trecho semelhante, que não irei citá-lo aqui para não me prolongar muito - além do fato que o leitor poderá conferí-lo ouvindo a canção. Basta, então, destcar esse curioso ponto: enquanto as musas são apenas mencionadas, a amada é descrita em detalhes.

Embora não deseje, aqui, dogmatizar nada, achei curioso este fato. Sobretudo porque ele é uma ilustração da idéia que eu vinha desenvolvendo no texto anterior: a de que, para ir além da fronteira da admiração e da veneração romântica, é preciso conhecer e conviver com quem se ama. E, quem save, disso surgirá então a consciência de que quem escolhemos equivale a "todas elas juntas num só ser".

Claro, que nem sempre uma relação amorosa nos leva a essa conclusão. As vezes, o que se toma consciência é justamente do contrário. Mas, de qualquer maneira, é uma consciência.

Um dia, sem esperar, ouvi um senhor falando a outro sobre a importância de se ter uma "boa esposa", pois, segundo ele, uma esposa pode tanto ajudar o homem a realizar-se na vida quando levá-lo à ruina. Sim, creio que o mesmo vale para os maridos também, mas na ocasião falava-se apenas das esposas.

O livro de Eclesiaster (aquele que já citei no meu texto anterior) traz uma reflexão de alguém que teve a oportunidade de realizar-se na vida, todos os seus sonhos e projetos. No entanto, após isso, chegou à conclusão de que o sentido não está na realização do trabalho em si, mas, sim, na alegria que isto pode gerar em quem o realiza. Senão acharmos essa alegria, diz o autor, tudo o mais é vaidade e "correr atrás do vento" [Eclesiastes 1:10-11].

De certa forma, é uma reflexão próxima daquela presente na obra de Guimarães Rosa quando diz que:

"A beleza não está na partida nem na chegada, mas na travessia."

Melhor ainda quando se tem uma boa companhia, para esta grande caminhada que é a vida. É o que diz o mesmo autor de Eclesiastes:

"Desfrute a vida com a muher a quem você ama,
todos os dias desta vida sem sentido que
Deus dá a você debaixo do sol; (...)
Pois essa é sua recompensa na vida
pelo seu árduo trabalho debaixo do sol."
[Eclesiastes 9:9]

Infelizmente, nem todos conseguem extrair alegria do seu trabalho ou desfrutar da vida na companhia de alguém que se ama. Nesse caso, além da procura, resta a necessidade de um ideal para nortear essa procura que pode ser tão grande quanto o sertão de Rosa.