02. Do It Again

Do It Again



Quem já não teve diante de si um amigo(a) apaixonado(a) que se tortura em incertezas sem fim? Diz que não sabe se liga ou se não liga, se namora ou não namora, se "casa ou se compra uma bicicleta"... A situação é cômica: o “ser humano” sabe o que tem que fazer, mas parece precisar de uma confirmação externa para tomar uma atitude.

Nessas condições, o conselho mais simples (e digo simples porque ele parece ser sugerido pela própria pessoa que o pede) resolve. Assim, algo do tipo “se acredita, tenta” ou “se dá pé, namora” como que por um passe de mágica transforma aquele miserável sofredor em um exultante otimista.

E, assim é a vida: complexa e cheia de mistérios, mas, as vezes, uma atitude simples e ativa promove a resolução de conflitos internos intermináveis...

“Do It”, a música que abre o disco “InCité” de Lenine, de onde peguei emprestado as citações acima, faz uma espécie de coletânea dessas soluções simples e práticas do cotidiano:

"Tá cansada,
senta se acredita,
tenta se tá frio,
esquentase tá fora,
entra se pediu, agüenta.”

Quando ouço esta canção, fico logo pensando na realidade cotidiana onde o compositor foi colher essa imensa coletânea de ditos proverbiais. Recordo-me, inclusive, de uma vez, há muito tempo, quando saí para passear com algumas pessoas mais adultas.

Passado algum tempo do passeio, um dos filhos mais novos de um colega queria deixar a bicicleta no meio do caminho porque estava aborrecido e cansado com o passeio. Eu já ía então me dispondo a carregá-la, quando o pai (de modo discreto) me impediu ensinando, ao filho, que era ele quem devia carregar suas coisas. Em outras palavras, ele estava dizendo:

“ _ Você não pediu para vir com a gente? Se pediu, agüenta."

Infelizmente, não tenho mais contato com essas pessoas. Mas, guardei a didática do "se pediu, agüenta" que estava alí sendo ensinado num simples passeio de bicicleta. Guardei isto sobretudo, quando tive que enfrentar as provas e trabalhos ao final de cada semestre universitário. De alguma maneira, penso que acabei incorporando o senso de dever de "carregar minha próprio bicicleta" e arcar com as conseqüências de se sair de casa.

A vida prática está cheia dessas soluções modestas cuja eficácia as vezes parece inverossímil. Entretanto, grandes pessoas já mostraram como é possível tratar de assuntos complexos e abstratos a partir desses ditos populares.

Assim fez Cristo que inúmeras vezes falou do "Reino dos Céus" a partir de aspectos da vida prática como, por exemplo, o gesto de um pescador ou o trabalho de um semeador. Num de seus ensinamentos, ele cita o seguinte provérbio popular:

“Ninguém acende uma candeia e
a esconde num jarro
ou a coloca debaixo de uma cama.”
[Lucas 8:16]

Nesta passagem, Cristo tinha acabado de contar uma parábola (Lucas 8:4-18). Ao final dela, seus discípulos pedem que ele a explique. E estre trecho citado é o final desta explicação, onde Cristo utiliza-se deste ditado popular para resumir o que se passa com alguém que teve sua vida transformada: esta pessoa não oculta sua felicidade, assim como ninguém oculta a luz da lamparina (ou candeia) debaixo de uma cama ou dentro de um jarro. Portanto, parafraseando os provérbios de "Do It", quem tá feliz deve requebrar!

"Tá feliz, requebre
Se venceu, celebre"