05. Ninguém faz idéia

Ninguém faz idéia



Começa o show. Da escuridão surge um pequeno foco de luz e, nele, caminha o aguardado músico que já vem tocando os primeiros acordes de uma canção conhecida de seu público cujo refrão diz que “ninguém faz idéia de quem vem lá”. Mas claro que todos ali presentes não tem a menor dúvida de que “quem vem lá” é o próprio: Lenine.

No entanto, quem nós esperaríamos surgir naquele mesmo palco há cinco ou dez anos atrás quando Lenine não tinha ainda a notoriedade que tem hoje? Aliás, será que o próprio Lenine fazia idéia de que um dia chegaria ao sucesso que tem alcançado atualmente?

Há, portanto, na música em questão, um significado especial para um artista que sobe ao palco cantando esta música. Entre outras coisas, ele está lembrando não somente para o seu público mas para si próprio que, com relação, ao futuro: “ninguém faz idéia de quem vem lá”. Hoje “quem vem lá” é Lenine, mas amanhã pode ser:

“os do cyberespaço
a capa do mês da Playboy
o novo membro da Academia
o mito que se auto-destrói.”

Lenine e os músicos que o acompanham há anos, têm um talento musical inquestionável. No entanto, quem poderia lhe garantir que esse talento o conduziria ao sucesso que hoje possui? Gostamos de acreditar que este é o “caminho natural”, mas a verdade é que, como em tudo na vida, o sucesso nem sempre tem haver com a nossa capacidade e competência:

“Os velozes nem sempre vencem a corrida;
os fortes nem sempre triunfam na guerra;
os sábios nem sempre têm comida;
os prudentes nem sempre são ricos;
os instruídos nem sempre têm prestígio;
pois o tempo e o acaso afetam a todos.”
[ Eclesiastes 9:11 ]

Portanto, ser “vencedor” depende mais do “tempo e do acaso” do que da nossa própria capacidade ou talento pessoal. Assim, possuir uma determinada vocação profissional pode, numa época, lhe conduzir ao sucesso mas em outra não.

Neste sentido, a canção “Ninguém faz idéia” menciona diferentes categoriais (não somente profissionais) que ao longo do tempo estiveram em evidência e em outros não. E uma das “categorias” citadas é a dos caminhoneiros que há mais ou menos uma década atrás, quando ninguém mais parecia acreditar na eficácia das mobilizações sindicais, fizeram uma greve que parou o Estado de São Paulo levando o poder público a responder de maneira rápida e positiva ao protesto contra o aumento abusivo dos pedágios.

Mais ou menos nessa mesma época, um artista ressurgia das cinzas: Tom Zé que, dentre outras, havia participado ativamente do Tropicalismo mas que, diferentemente de Gil e Caetano havia caído no esquecimento. Em 1999, numa longa e divertida entrevista para a revista “Caros Amigos” ele então contava sobre o seu inesperado sucesso.

Um dos aspectos mais curiosos desta entrevista, que hoje pode ser lida na Internet, é que, depois de tanto tempo tentando “em vão” a carreira de músico, ele já pensava em trabalhar num posto de gasolina, do sobrinho, no interior da Bahia.

Imaginem só: Tom Zé, com toda a sua genialidade musical e originalidade artística abastecendo carros num longíqüo posto do interior! No entanto, quem pode dizer se não há, no interior do país, outros “Tom Zés” esquecidos, deixados pra trás, que não encontraram “seu caminho” por falta de opção, de instrução, de uma oportunidade ou de um meio cultural e social mais favorável ao desenvolvimento de suas capacidades?

A história da redescoberta de Tom Zé, de tão inusitada, parece providencial. No entanto, não me ocuparei dela para não privar o leitor do prazer de ler a entrevista na íntegra e, assim, conhecer um pouco mais desta personalidade tão original.

im, talvez eu tenha que concordar que a música de Tom Zé não é lá a coisa mais fácil de compreender ou apreciar. Contudo, seu valor artístico é inegavelmente maior do que muitos outros músicos que fizeram fama e fortuna enquanto ele permanecia no ostracismo.

Aliás, durante este período e ainda nos dias de hoje, o sucesso da mediocridade musical é tão notório que eu nem preciso me deter muito sobre este ponto. Resta, apenas, colocar a questão sobre até que ponto vale a pena continuar se sacrificando por uma “causa nobre” quando a sociedade não lhe dá uma recompensa mínima o suficiente para se ter uma vida digna...