09. Rosebud (1)

“Rosebud”



“Rosebud (O Verbo e a Verba)” é o título da música que se segue a faixa “Ninguém faz idéia”, tema das reflexões expressas nos meus últimos dois textos.

À primeira vista, a canção parece apenas um jogo de palavras onde o verbo é ecoado na verba, e Dolores em dólares. A princípio, parece que o autor quis fazer apenas uma brincadeira com as palavras construindo um poema conforme as sugestões da “Procura da Poesia” de Carlos Drummond de Andrade onde este sugere o caminho para se escrever poemas:

“Penetra surdamente no
reino das palavras.
Lá estão os poemas que
esperam ser escritos. “

Esta seria, portanto, uma interpretação adeqüada e satisfatória e ponto final. No entanto, o autor parece ter nos deixado uma pista indicando que não se trata unicamente de um jogo de palavras ou de uma poesia construída com base na riqueza de significados e variações da língua. E esta pista encontra-se no título da própria canção, mais especificamente na palavra “Rosebud”.

De onde vem Rosebud e o que ela significa? Pergunta análoga a esta foi feita pelo personagem de “Cidadão Kane”, e o enredo do filme corresponde à sua busca para tentar compreender o significado desta palavra que foi a última dita por Kane (o protagonista do filme) antes de morrer. A cena é clássica e já apareceu até num dos episódios dos Simpsons: após pronunciar “Rosebud”, o braço do personagem cai do leito e deixa rolar no chão uma esfera de vidro.

“Cidadão Kane” é tido como uns melhores filmes da história do cinema. Porém, um detalhe impede que o apreciemos criando um distanciamento que nos inibe, inclusive, de pegá-lo nas videolocadoras: ele foi filmado em 1941, o que significa, dentre outras coisas, que sua estética é diferente daquela que estamos acostumados a ver nas salas de cinema atuais.

Talvez justamente por conta disso o tenha achado, senão chato, um pouco decepcionante quando o assisti há uns dez anos atrás. Porém, motivado pela música de Lenine, peguei-o novamente para assistir e, pasmem, tive que concordar que realmente trata-se de um dos melhores filmes já produzidos.

Descobri, então, que rever filmes vistos a muito tempo atrás é uma experiência interessante pois notar coisas que não tinham sido observadas antes indica talvez um certo progresso pessoal na sensibilidade para a arte. E, convenhamos, é muito bom quando percebemos que pelo menos em alguma coisa a gente melhora com o passar do tempo...

No entanto, a sensibilidade visual, assim como outras coisas na vida, é algo que se aprende. Nesta segunda experiência com o filme, pude ver, por exemplo, como que o diretor utilizou-se das sombras para completar a idéia de uma cena.

Uma cena em que o diretor utiliza-se desse recurso da sombra ocorre quando o personagem Kane está submetendo, a segunda esposa, a uma missão que ela não é capaz de cumprir e da qual ela tenta fugir mas sente-se, também, impotente para isso. Então, além da aflição no seu rosto e da inflexibilidade na voz de Kane, a sombra de uma grade de prisão se projeta no seu rosto sugerindo, assim, a situação na qual ela se encontrava.

Antes de ter assistido ao “Cidadão Kane”, de Orson Welles, eu havia assistido um documentário mais ou menos raro e, ao que me parece, ainda inédito na televisão brasileira. Este documentário intitulado “Acima do Cidadão Kane” trata das relações entre uma certa indústria jornalística brasileira e o poder político no Brasil. O mesmo foi produzido pela BBC e pode ser encontrado na Internet

Por influência, então, desse interessante documentário e, também, por outros casos reais análogos, eu sempre olhei para o “Cidadão Kane” como um filme que tratava desse assunto que já foi chamado de “quarto poder” da democracia: a mídia. No entanto, passado uma década, e sob a influência da canção de Lenine o meu olhar para o filme foi outro.

Descobri, assim, não somente um outro aspecto bastante interessante no filme como, também, a maneira como ele se relaciona com a canção “Rosebud (O Verbo e a Verba)” e, ainda, qual a relação desta canção com àquela que a antecede no CD: “Ninguém faz idéia”. Tudo isso, após esta necessária introdução, será retomado no próximo texto.