21. Sentimental (3)

Tira o véu dos olhos



No texto anterior, ao tratar da canção "sentimental", eu havia dado ênfase sobre o aspecto desagregador daquele que é sentimental, com a ressalva que essa desgregação tem um caráter intermediário na construção de uma visão mais apurada da realidade.

Não tive, contudo, espaço para desenvolver esse último aspecto. Por essa razão é que retomo novamente a mesma canção com o objetivo de, aqui, concluir o que havia começado.

Apenas recordando, o trecho da canção que estava tratando diz o seguinte:

"Desagrega o coração,
tira o véu dos olhos"


Portanto, como se vê, o mesmo ser que tem o potencial de desagregar também ode nos trazer uma melhor compreensão da realidade. Na verdade, se prestaros bem atenção, veremos que isso este fenômeno está presente em alguns momentos chaves das nossas vidas.


Lembro-me, por exemplo, com bastante clareza de quando isso me aconteceu após eu terminar a leitura de um livro. Antes, porém, será preciso apresente o pano de fundo em que o fato ocorreu.

Quando eu era ainda adolescente, minha perspectiva de vida era a de estudar para, então, entrar numa facudlade, me formar, ganhar dinheiro e constituir uma família e uma casa agradável com, preferencialmente, um escritório, um carro e uma moto.

Ou seja, o sonho comum à maioria dos jovens que, como eu, cresceram mastigando cotidianamente o conceito de felicidade que nos era vendido junto com os comerciais de margarina e afins.

Um dia, porém, caiu-me à mão um pequeno livro romance chamado "A Morte de Ivan Ilitch". Daí em diante minha vida nunca mais foi a mesma, pois, a partir de sua leitura, concluí que aquele meu projeto tão bem definido e pré-fabriado de felicidade não levaria a nada.

Passei então um tempo "sem chão", desagregado, procurando um novo referencial, e isto durou algum tempo. Mas, o estar "sem chão", aqui, não foi fatal, pois o obstáculo com o qual me desparava não era nenhuma tragédia material.

Ao final do processo, já com as pazes feitas com Tolstói, o autor do livro, eu não era nenhum sábio guru, mas já sabia mais da realidade do que antes. E esse conhecimento me librertou de uma tristeza futura, fruto de uma frustação real e não atencipada por um grande livro.


Uma experiência semelhante, de libertação através da compreensão da realidade, é narrada na Bíblia, quando Cristo falava aos seus discípulos da seguinte maneira:

"Se vocês permanecerem firmes na minha palavra,
verdadeiramente serão meus discípulos.
E conhecerão a verdade,
e a verdade os libertará."
[João 8:31-32]


O curioso é que, após essas palavras, os discípulos discordavam dessa perspectiva, afirmando que eles não eram e nunca foram escravos de ninguém.


Na época, o país em questão, havia sido dominado pelo império romano que, apesar de lhes dar liberdade religiosa e cultura, lhes cobrava impostos e lhes dirigia política e militarmente.


Assim, talvez esse protesto dos discípulos, fosse movido por esse contexto social que, apesar de não ser dos melhores, também não era um regime própriamente de escravidão.

No entanto, após esses protesto, Cristo lhes faz ver que "todo aquele que vive pecando é escravo do pecado" (João 8:34), e que isso, portanto, independe do contexto político e social.


Em suma, as vezes precisamos da ajuda de alguém para compreender a realidade em que estamos inseridos.